A pesca já começou e o ciclóstomo saltou para as ementas dos restaurantes. em especial junto aos rios Minho, Lima, Douro, Cávado e Mondego.

“Há pescadores a tirar dez ou mais por dia. A chuva dos últimos tempos veio ajudar. Esperemos que haja muita, mas que não seja em excesso, senão lá vai o preço pela água abaixo”, afirma enquanto remenda na rede os estragos da última ida ao rio.

Por estes dias, no Minho, a lampreia é paga ao pescador a uma média de 30 euros. No entanto, posta na mesa, custa entre 80 e 150 euros. Apesar do elevado valor, a procura teima em não esmorecer.

“Tem aumentado, é verdade. Notamos que há mais gente a apreciar o sabor particular da lampreia e a procurá-la. Nós recebemos cá pessoas das mais diversas zonas do País, de Braga, do Porto e até de Lisboa”, afirma Viriato Barbosa, dono do restaurante Ponte Velha, em Barbeita, Monção.

Até ao dia 15 de abril de todos os anos, mais de 500 restaurantes de várias zonas do País têm no cardápio as várias formas de servir a lampreia. Há casas especializadas nas cidades de Lisboa e Porto, mas muita gente procura-a nas zonas tradicionais de pesca, junto aos rios Tejo, Mondego, Vouga, Douro, Cávado, Lima e Minho.

Grande parte dos restaurantes de boa lampreia situam-se em localidades onde, desde há séculos, o ciclóstomo é vendido pelos pescadores, como Mação, Penacova, Sever do Vouga, Entre-os-Rios, Esposende, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Caminha, Vila Nova de Cerveira, Valença, Monção e Melgaço. Nos próximos fins de semana há, em muitas destas terras, festivais e outras iniciativas gastronómicas em torno da lampreia.

Estima-se que entre 15 de janeiro e 15 de abril sejam servidas em Portugal mais de cem mil lampreias, num volume de negócios que deve ultrapassar os sete milhões de euros.

Um ‘Prato de Excelência’
Até dia 15 de abril, os fins de semana são dedicados à degustação da lampreia do rio Minho nos restaurantes aderentes. Promovida pela ADRIMINHO em associação com os seis municípios do Vale do Minho: Caminha, Melgaço, Monção, Paredes de Coura, Valença e Vila Nova de Cerveira, a iniciativa ‘Lampreia do Rio Minho – Um Prato de Excelência’ conta com a participação de 12 restaurantes localizados em Melgaço. 

Diversos sabores do ‘bicho feio’  
Aspeto não é, como se vê, o mais apetitoso, mas o sabor depressa atira para o esquecimento a má imagem do ‘bicho feio’.

Até finais do século passado, a lampreia era, no essencial, servida de duas maneiras: com arroz e à bordalesa. Havia ainda, sobretudo em Monção e Melgaço, quem a secasse no fumeiro, para comer ao longo do resto do ano, assada na brasa e servida com batatas cozidas e ovos. Mas, hoje, há já muitas maneiras de cozinhar o ciclóstomo que abandona o mar para desovar nas nascentes dos rios. Lampreia panada, lampreia fresca assada no forno com batatinhas, lampreia fumada assada no forno com grelos ou lampreia frita com cogumelos. Isto para não falar da nova cozinha, ou da cozinha dos chefs, cujas criações não têm fim. A verdade, no entanto, é que as chamadas ‘novas maneiras’ de cozinhar a lampreia não têm conquistado a preferência dos comensais.

Exposição
O Aquamuseu do rio Minho, em Vila Nova de Cerveira, recebe até dia 31 de março uma exposição intitulada ‘A Pesca da Lampreia Marinha no Rio Minho’. A mostra visa dar a conhecer as características gerais, períodos e artes de pesca, a pesca ao longo dos tempos e histórias. Para ver de terça a domingo.

Rali em Monção
A 24 e 25 deste mês, Monção distingue a lampreia do rio Minho com a apresentação deste prato tradicional em 19 restaurantes do concelho. Do programa constam animação popular e, no domingo, dia 25, a XLI edição do Rali à Lampreia, perícia automóvel no centro histórico que atrai milhares de pessoas à terra de Deu-la-Deu, Alvarinho e Termas. Decorrem duas provas.

Algumas curiosidades 
Em Portugal existem seis espécies de lampreia: lampreia-marinha, lampreia-de-rio, lampreia-de-riacho, lampreia-da-costa-da-prata, lampreia-do-nabão e lampreia-do-sado.
Trata-se de um ciclóstomo do grupo dos agnatos, não tem verdadeiras mandíbulas nem barbatanas. Apresenta a boca redonda, com dentes pequenos e uma ventosa. No século passado era abundante, a partir dos anos 60, devido à poluição e às barragens, regista-se um declínio.

Em 1135, a Inglaterra mergulhou em uma guerra civil por causa da morte repentina do rei Henrique 1º, em meio a complicadas negociações para sua sucessão.

Reza a lenda que o conflito foi deflagrado por um peixe: em vez de morrer em batalha ou de causas naturais, Henrique 1º foi vítima de seu apreço por lampreias.
Tal história tem origem duvidosa, diz o historiador Giles Gasper, da Universidade de Durham. Ainda assim, muitas crianças britânicas ao longo dos séculos aprenderam o peixe que teria matado um rei. Mas as lampreias continuaram sendo parte do banquete real por muitas eras.
Os cientistas também adoram esses peixes. Só que por outras razões.
Ecologistas sabem que as lampreias são responsáveis pela manutenção da saúde dos rios. Médicos estudam-nas para entender sua capacidade incrível de regeneração mesmo depois de danos severos – um fator de cura que pode oferecer uma forma de regenerar lesões na coluna de humanos.

BBC
A gula por lampreias matou o rei britânico Henrique 1º?

Origens humanas

Biólogos, por sua vez, descobriram que lampreias tiveram um papel crucial na história da vida. Estão entre os primeiros animais a evoluir. Estes peixes, então, carregam importantíssimas pistas sobre as origens humanas. Lampreias se parecem com enguias. Têm um corpo longo e flexível, com olhos, boca e guelras de um lado, e uma barbatana do outro.
Mas é o que as lampreias não têm que as torna especiais.

NPL
Os dentes da lampreia permitem que ela “vampirize” peixes

Assim como alguns peixes primitivos, elas não têm ossos. Seus esqueletos são todos feitos de cartilagem. As lampreias também não contam com algumas das mais importantes barbatanas comuns a alguns peixes, como as duas barbatanas peitorais e as duas pélvicas, que em nossos ancestrais evoluíram para pernas.
Mais notavelmente, as lampreias não têm mandíbulas. Suas bocas são uma espécie anel permanentemente aberto, repleto de dentes afiados – que as lampreias usam para morder outros peixes e sugar seu sangue.

Ancestrais

“As fotos usuais das lampreias mostram o disco com os dentes e algumas pessoas parecem ter fascínio com esse lado parasita delas”, diz John Hume, da Universidade de Michigan.
A falta de mandíbulas pode ser peculiar hoje, mas há centenas de milhões de anos era norma no mundo animal. As lampreias e o peixe-bruxa são as únicas espécies que ainda sobrevivem. Segundo paleontologistas, fósseis datando de mais de 360 milhões de anos atrás sugerem que pouco mudou nelas.
Isso não quer dizer que nossos ancestrais eram lampreias. É mais ou menos como os chimpanzés. Os dois animais explicam bastante sobre nossos ancestrais, mas nenhum deles está diretamente na linha evolucionária direta humana.

NPL
Têm semelhanças com ancestrais humanos, mas não estão na linha evolucionária direta

Porém, o ancestral direto humano provavelmente tinha similaridades com uma lampreia. Em sua evolução, criou mandíbulas, pernas e, de forma mais importante, nosso sistema imunológico adaptativo, que nos permite “memorizar” patógenos que nos fizeram mal de forma que possamos lutar contra eles de modo mais eficiente no próximo round.
Mas voltando à esfera gourmet: por que as lampreias eram tão apreciadas na antiguidade, ao ponto de estimular a gula de Henrique 1º? Uma das teses, segundo o professor Hume, é o fato de o peixe ser calórico e carnudo.
Essas características específicas eram bastante úteis em uma era em que a força da religião frequentemente impunha jejuns que restringiam o consumo de carnes que não fossem de peixes. “Dias de jejum eram quase um terço do ano”, afirma Gasper.
Mesmo nos dias de hoje, a lampreia ainda tem ligações reais. A atual soberana britânica, Elizabeth 2ª, recebeu tortas de lampreia de presente por ocasião do 25º e 50º aniversários de reinado.

Regeneração

Sim, as lampreias desapareceram dos rios britânicos, em um processo que especialistas como Hume afirmam ter começado já na Revolução Industrial, no século 18. E não por causas óbvias como a poluição, mas pelo represamento de águas, que dificultou a migração dos peixes para desovar. Em setembro deste ano (2015), porém, autoridades ambientais britânicas anunciaram a descoberta de cardumes de lampreias nas águas do país.

“Esses peixes são extremamente úteis para o ecossistema. Eles transportam nutrientes de lagos para rios e suas larvas filtram a água”, explica Hume.

NPL
Cientistas querem estudar capacidade de regeneração da lampreia

Há ainda sua contribuição para a medicina: proteínas na saliva da lampreia agem como anticoagulantes e dilatam vasos sanguíneos, o que os ajuda a “vampirizar” outras criaturas marinhas.
Elas também têm alta tolerância a ferro, o que pode ser útil para pesquisadores estudando curas para a hemocromatose, uma condição que afeta pessoas incapazes de controlar a quantidade de ferro que absorvem de alimentos e que podem resultar em uma série de males, incluindo cirrose e disfunção eréctil. Muitos não falam nisto porque desconhecem, mas a lampreia na sua génese popular, é considerada um afrodisíaco potente. Uma das razões mais secretas e desconhecidas da sua procura.

Por fim, há a incrível capacidade de regeneração destes peixes, que podem praticamente se recuperar totalmente de lesões totais em sua medula. Algo com que humanos podem atualmente podem apenas sonhar.
E um mapeamento genético de lampreias feito em 2013 revelou similaridades surpreendentes entre os genes delas e os nossos. “Muitas famílias de genes estão presentes tanto em lampreias como em humanos”, diz Ona Bloom, do Instituto Feinstein de Pesquisas Médicas, nos EUA.

“E uma área com muitos genes em comum é o sistema nervoso”.

Sendo assim, pesquisas sobre a regeneração de lampreias podem proporcionar pistas de como promover o mesmo em outros animais. Ainda que tal tratamento ainda precise de muitos anos para ser desenvolvido, segundo Bloom.



Onde comer no Porto

Galeria50
Morada Rua do Orfeao do Porto, 50, Porto (à boavista)
Telefone 226 180 034
10h00-00h00
Dose individual 25,90 €
Lampreia Inteira 99,90 € (recomenda se reserva previa)
1 Pedaço 9,90€

O Gaveto
Morada Rua Roberto Ivens, 826, Matosinhos
Telefone 229 378 796
12h00-01h30
Dose individual 35 €

Casa Inês
Morada Rua de Miraflor, 20
Telefone 225 106 988
12h00-15h00/19h30-22h30
Domingo só almoços
Lampreia inteira 70 € Só por encomenda

Adega de São Nicolau
Morada Rua de São Nicolau, 1
Telefone 222 008 232
12h00-23h00
Encerra ao domingo
Dose individual 26,5 €

Casa Lindo
Morada Tv. Convenção de Gramido, 26, Valbom
Telefone 224 830 200
12h30-22h00
Encerra à terça-feira e domingo ao jantar
Dose individual 30 €

Casa Marajá
Morada Rua Roberto Ivens, 603, Matosinhos
Telefone 229 382 352
12h00-01h00
Encerra à segunda-feira
Dose individual 50 €

Fontes:
BBC News Brasil
Jornal de noticias
CM

cozinhar

Porchetta, a comida mais bruta e deliciosa do mundo

Maio 17, 2017

|Marcos Nogueira


Porchetta, se você quiser ser literal, significa leitoa. Eu nunca entendi qual é a diferença (em termos gastronômicos) entre um leitão e uma leitoa, tampouco por que há gente que prefere um ou outro. Mas porchetta, a comida, dificilmente será uma leitoa. Esse prato italiano consiste, na origem, de um porco inteiro desossado, eviscerado, recheado com a própria carne e temperos, então assado até que a pele fique crocante e pururucada. A cabeça é mantida no lugar, o que cria um visual um tanto grotesco – a foto abaixo eu tirei dez anos atrás, em Roma.

Assar – e principalmente desossar – um porco inteiro não é trabalho para amadores. Essa “porchetta raiz” é encontrada principalmente em lanchonetes e barracas de rua, onde é assada em espetos giratórios, fatiada e servida aos passantes na forma de sanduíche. Junto com a castanha na brasa e as pizzas quadradas, a porchetta é a street food quintessencial da Itália. Sua paternidade é disputada ferozmente por duas regiões vizinhas: Lácio (onde fica Roma) e Úmbria (onde ficam Assis e Perúgia).

Felizmente para nós, amadores, a porchetta tem uma versão simplificada e reduzida sem perda de sabor nem de textura: a barriga de porco recheada de carne magra. Atenção: simplificada e reduzida não significa simples e pequena. Trata-se de um prato laborioso, que requer de dois a três dias para ficar pronto, mas que compensa o esforço porque, além de delicioso, alimenta fácil dez pessoas ou até mais.

A carne do recheio pode ser de lombo, pernil, ou até de outro animal – na Itália é razoavelmente comum o uso de coelho e outras caças. Eu escolhi o lombinho, também conhecido como filé mignon suíno, uma peça ultra-magra e delicada: é muito fácil cozinhá-la até ressecar. Mas aqui o filé está protegido do calor direto pela barriga, além de ser continuamente irrigada pega gordura carregada de temperos que derrete aos poucos. O derretimento deixa a barriga (uma peça notadamente gorda) bem mais esbelta, por assim dizer. E onde vai parar toda a gordura? Nas batatinhas que ficam sob a porchetta. Manja aquelas batatas que você compra com o frango de televisão, curtidas do penoso? Prometo: é melhor. Mamma mia, vou parar por aqui… antes de começar a babar no teclado.

O tempero da porchetta permite alguma variação, mas em geral é à base de ervas. Usa-se muito a erva-doce, que não me agrada. Minha receita a omite, mas você pode ficar à vontade para empregá-la. Eu bati os temperos no processador com banha, até obter uma pasta que desse para esfregar na carne. Você pode usar azeite mas o resultado será bem mais líquido.

Depois de temperar as carnes, é hora de enrolar a porchetta. Você precisa prestar atenção em alguns detalhes:

1) Não pode sobrar couro para dentro do rolo; o pacote pode até não fechar completamente (eu até prefiro assim), mas o couro protegido do calor direto fica com textura, bem, de couro;

2) Os filés do recheio devem ter o mesmo comprimento do rolo (ou um pouquinho mais);

3) Você vai precisar fechar o rolo, amarrando-o com barbante em diversos pontos. Execute esse trabalho com as mãos protegidas por luvas de borracha – ou, como eu, terá os dedos mínimos lacerados pelo cordão.

Antes de ir ao forno, o bichão deve ter mais ou menos a aparência da foto acima (eu pedi para os bróders do açougue da minha rua embalarem a porchetta a vácuo). 

Por último, um truquinho que eu aprendi numa receita de torresmo de um livro de culinária mineira: besuntar a pele com uma mistura de álcool e bicarbonato de sódio faz a pururuca surgir como mágica.

Agora, como diria Odorico Paraguaçu, vamos aos finalmentes.

PORCHETTA


Ingredientes


1 manta de barriga de porco com pele (um quadrado com 50 cm de lado)
2 peças inteiras de lombinho (filé mignon) suíno
2 colheres (sopa) de banha
1 colher (sopa) e 1 colher (chá) de sal
7 dentes de alho descascados
1 punhado de folhas de sálvia fresca

1 punhado de folhas de alecrim fresco
1 punhado de folhas de orégano fresco
1 punhado de folhas de manjerona fresca

2 folhas de louro fresco ou seco

1 colher (sopa) de pimenta-do-reino em grãos

3 bagas de zimbro

1 xícara de vinho branco

2 quilos de batata-bolinha

3 cebolas grandes

50 ml de álcool

1 colher (sopa) de óleo

1 colher (sopa) de bicarbonato de sódio

Modo de fazer

  1. Num processador de alimentos, bata a banha as ervas, a pimenta, o zimbro, 1 colher (sopa) de sal e 5 dentes de alho, até obter uma pasta lisa.
  2. Abra a manta de barriga sobre a superfície de trabalho, com a pele para baixo. Espalhe metade do tempero sobre a carne. Coloque os lombinho, de atravessado, no centro da peça. Despeje o tempero restante.
  3. Enrole a barriga e a amarre com barbante em pelo menos 5 pontos. Guarde na geladeira, se possível, até o dia seguinte.
  4. Bata no processador o vinho com o sal e o alho restantes. Num saco plástico grande, deixe a porchetta em banho nessa marinada por pelo menos duas horas.
  5. Ajuste o forno na temperatura mínima (90 ºC). Coloque a porchetta e a marinada no forno. Acomode a carne em uma grelha sobre uma assadeira grande e funda. Deixe-a no forno por 3 a 5 horas – a intenção aqui não é assar, é derreter gordura e evaporar umidade.
  6. Guarde a porchetta na geladeira, descoberta, até o dia seguinte.
  7. Cubra o fundo da assadeira com rodelas de cebola Por cima delas, distribua as batatinhas, a grade e o porco. Asse a 150 ºC por três horas.
  8. Retire a assadeira do forno e reserve a carne. Misture as batatas com a cebola e a gordura derretida e devolva a assadeira ao forno. Ajuste o fogo na temperatura máxima (260 ºC).
  9. Depois de meia hora, besunte o couro do porco com a mistura de alcool, óleo e bicarbonato. Leve ao forno novamente por mais 30 minutos, ou até a pele virar pururuca.
  10. Retire do forno, deixe esfriar por 15 minutos, remova os barbantes e sirva em fatias com as batatas.