Não metas manteiga nas amêijoas, Pedro!

As amêijoas à Bulhão Pato são um dos melhores pratos de sempre. A sua simplicidade, sofisticação e sabor, ultrapassam o que de melhor se faça na cozinha à francesa. O consumo de amêijoas em Portugal, está documentado pelos concheiros que se encontram ao longo de toda a costa, testemunhando a sedentarização mesolítica. A espécie que mais se consome no sul é a amêijoa-boa ou Ruditapes decussatus (concha oval de tons castanhos ou acinzentados, com estrias e linhas bem definidas). A amêijoa é muito rica em ferro e vitamina B12, constituindo um alimento muito proteico. A experiência de sorver diretamente da casca aquele molusco suculento, sentindo-lhe o sabor salino e a textura viscosa sob o aroma do alho e a frescura dos coentros, transporta-nos para uma viagem de sensualidade proibida. No entanto há três condições que não poderão ser esquecidas:

1. o local e calendário da sua recolha. Dizem que os bivalves devem ser consumidos nos meses com “r” ficando o seu consumo interditado de maio a agosto. Na verdade os moluscos selvagens ficam frequentemente impróprios ao consumo nos meses mais quentes, contaminados por microalgas tóxicas. Recomenda-se a aquisição de bivalves produzidos em cativeiro sob cuidados sanitários, ou selvagens e sujeitos a quarentena. A sua comercialização deverá apresentar a data de captura/recolha, fundamental para avaliar o seu estado, já que as amêijoas deverão ser cozinhadas vivas. Há muitas outras espécies comercializadas em Portugal como a amêijoa-macha (Venerupis Pullastra), amêijoa japônica (Tapes Semidecussatus) ou a amêijoa branca (Spisula Solida), mas a amêijoa-boa é a melhor (e a mais cara), podendo o preço variar com o tamanho (classificada em pequena, média ou grande).

2. a preparação das amêijoas. As amêijoas de viveiro estão menos sujeitas à presença de areia do que as selvagens. Para que “cuspam” a areia, as amêijoas deverão ficar mergulhadas em água do mar durante algumas horas. Mas se tiverem passado pelo estágio de quarentena sanitária já terão perdido toda a areia. Comer amêijoas com areia é das piores experiências que se pode proporcionar a alguém. A qualidade gastronómica das “amêijoas à Bulhão Pato”, homenagem ao escritor português oitocentista Raimundo António de Bulhão Pato (que escreveu a receita para o livro “O cozinheiro dos cozinheiros” em 1870), invocam o ultrarromântico satirizado por Queiroz que acreditava que “o belo não poderia existir sem o bom: nada mais diverso, e nada mais inseparável” e esta ideia diz-nos muito sobre este prato tão pouco moderno. A delicadeza e sofisticação deste prato está, sobretudo, nos tempos rigorosos de confecção. O mais difícil é conseguir a máxima redução de tempo de cozedura (o estritamente necessário para que as conchas abram) sem deixar que recozam o que lhes retiraria toda a graça, sabor e textura, reduzindo-as a chicletes do mar. Para isso deverá ser usada sertã pouco funda, com tampa, para que se possam revolver as amêijoas sem ter que abrir a tampa para as mexer.

3. a sua confecção. Há muitas variantes da receita embora, quanto a mim, a melhor forma de as cozinhar seja a mais simples.
a) Num fundo de azeite, junta-se quase uma cabeça de alhos esmagados com casca e uma folha de louro.
b) Quando o azeite estiver quente, junta-se de uma só vez as amêijoas a rugir, fechando imediatamente a sertã com a tampa. Depois de as revolver duas ou três vezes, estarão todas abertas e prontas a consumir.
c) Não se deve juntar sal ou qualquer outro tempero para além dos coentros picados que, introduzidos depois de abrirem, não deverão cozer. Outros juntarão no fim vinho branco, o que poderá ter o benefício de travar a cozedura dos bivalves.
d) As amêijoas deverão ser servidas com pão de trigo do Alentejo ou do Algarve, de preferência cozido em forno de lenha, para absorver o molho. Hoje, nos restaurantes, é comum engrossar o molho usando manteiga em vez de azeite, ou mesmo (pasme-se) margarina, o que envolverá os delicados seres numa molhanga gorda, mascarando a delicadeza do seu sabor. Por isso fica aqui o meu apelo: _ Pedro, não metas manteiga nas amêijoas…

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