National Geographic Work

aquicultura

Texto: Joel K. Bourne, Jr. 

Fotografias: Brian Skerry

Num armazém obscuro nas faldas da cordilheira Azul, na Virgínia, Bill Martin agarra um balde de ração granulada e atira-a para um tanque de betão. Enormes tilápias fervilham à superfície. O presidente da empresa Blue Ridge Aquaculture, uma das maiores unidades de produção de aquicultura do mundo em espaço interior, olha sorridente para o frenesi da refeição.

Solaiman Sheik exibe a safra da pequena lagoa do seu pai, perto de Khulna, no Bangladesh: camarões de água doce, um lucrativo produto de exportação.

“Este é o peixe de São Pedro, o peixe que Jesus ofereceu às multidões”, afirma, com voz áspera, semelhante à de um pregador. Ao contrário de Jesus, contudo, Bill Martin não oferece os peixes. Todos os dias vende cinco mil quilogramas de tilápias vivas aos mercados asiáticos e planeia construir outra unidade de aquicultura na costa ocidental dos EUA. “Sigo o modelo da indústria avícola”, afirma. “Com a diferença de que os nossos peixes vivem totalmente felizes.”

“Como sabe que eles estão felizes?”, pergunto–lhe, reparando que a camada de tilápias no tanque é suficientemente espessa para São Pedro poder andar por cima dela.

“Por regra, mostram que não estão felizes morrendo”, responde. “Nunca perdi um único tanque de peixe até agora.”

Um parque industrial nos Apalaches parece um sítio estranho para criar milhões de animais naturais do Nilo, mas as unidades de aquicultura à escala industrial estão a emergir por todo o lado. A aquicultura aumentou 14 vezes de dimensão desde 1980. Em 2012, a sua produção mundial (desde o salmão aos inestéticos pepinos-do-mar que só um cozinheiro chinês poderia apreciar) rondou os 66 milhões de toneladas e ultrapassou pela primeira vez, de maneira indesmentível, a produção de carne de vaca. A aquicultura já representa quase metade de todo o peixe e marisco consumidos no planeta. Prevê-se que, nos próximos 20 anos, o crescimento demográfico, o aumento dos rendimentos e a reputação saudável dos produtos do mar façam subir a procura em 35%. Com a estagnação das capturas mundiais de peixe selvagem, os peritos crêem que praticamente todos os novos produtos do mar consumidos tenham de provir da aquicultura.

“Não conseguiremos obter toda a proteína de que precisamos comendo peixe selvagem”, diz Rosamond Naylor, perita da Universidade de Stanford e investigadora de sistemas de aquicultura. “Porém, o público preocupa-se com o possível desenvolvimento de outra indústria de criação intensiva no meio do oceano. E, por isso, quer que tudo seja bem feito desde o princípio.”

E há razões para preocupação.

A nova “revolução azul”, que tem disponibilizado camarão, salmão e tilápia baratos e embalados em vácuo aos congeladores dos supermercados, trouxe consigo muitos dos problemas gerados pela agricultura em terra: destruição do habitat, poluição aquática e sustos relacionados com a segurança alimentar. Na década de 1980, vastas extensões de orlas costeiras de mangue foram arrasadas para construir unidades de aquicultura actualmente responsáveis por uma percentagem significativa da produção mundial de camarão. A poluição provocada pela aquicultura (uma mistura pútrida de azoto, fósforo e peixes mortos) é agora um perigo generalizado na Ásia, onde se localizam 90% dos peixes de aquicultura. Para manterem os peixes vivos em jaulas densamente povoadas, alguns aquicultores asiáticos utilizam antibióticos e pesticidas de uso proibido nos Estados Unidos, na Europa e no Japão.

Os EUA importam actualmente 90% dos seus produtos do mar, mas só cerca de 2% são inspeccionados pela Administração dos Alimentos e Medicamentos (FDA na sigla original). Em 2006 e 2007, a FDA descobriu numerosas substâncias proibidas, incluindo agentes carcinogénicos conhecidos ou suspeitos, em carregamentos de aquicultura provenientes da Ásia.

As unidades de aquicultura de outras regiões do globo também não estão isentas de problemas. A moderna indústria do salmão, que ao longo das últimas três décadas instalou jaulas densamente povoadas e cheias de salmão em fiordes prístinos da Noruega à Patagónia, tem sido atormentada por parasitas, poluição e doenças. As unidades de aquicultura de salmão da Escócia perderam quase 10% dos seus efectivos em 2012, devido a um surto infeccioso; no Chile, calcula-se que a anemia infecciosa tenha provocado prejuízos de 1,4 mil milhões de euros na aquicultura do salmão desde 2007. Um surto patológico ocorrido em 2011 destruiu praticamente toda a indústria do camarão em Moçambique.

Iremos fazer o possível e impossível no Galeria50 para que se continue a comer peixe seguro, de preferência selvagem e de aguas não poluídas!

Não metas manteiga nas amêijoas, Pedro!

As amêijoas à Bulhão Pato são um dos melhores pratos de sempre. A sua simplicidade, sofisticação e sabor, ultrapassam o que de melhor se faça na cozinha à francesa. O consumo de amêijoas em Portugal, está documentado pelos concheiros que se encontram ao longo de toda a costa, testemunhando a sedentarização mesolítica. A espécie que mais se consome no sul é a amêijoa-boa ou Ruditapes decussatus (concha oval de tons castanhos ou acinzentados, com estrias e linhas bem definidas). A amêijoa é muito rica em ferro e vitamina B12, constituindo um alimento muito proteico. A experiência de sorver diretamente da casca aquele molusco suculento, sentindo-lhe o sabor salino e a textura viscosa sob o aroma do alho e a frescura dos coentros, transporta-nos para uma viagem de sensualidade proibida. No entanto há três condições que não poderão ser esquecidas:

1. o local e calendário da sua recolha. Dizem que os bivalves devem ser consumidos nos meses com “r” ficando o seu consumo interditado de maio a agosto. Na verdade os moluscos selvagens ficam frequentemente impróprios ao consumo nos meses mais quentes, contaminados por microalgas tóxicas. Recomenda-se a aquisição de bivalves produzidos em cativeiro sob cuidados sanitários, ou selvagens e sujeitos a quarentena. A sua comercialização deverá apresentar a data de captura/recolha, fundamental para avaliar o seu estado, já que as amêijoas deverão ser cozinhadas vivas. Há muitas outras espécies comercializadas em Portugal como a amêijoa-macha (Venerupis Pullastra), amêijoa japônica (Tapes Semidecussatus) ou a amêijoa branca (Spisula Solida), mas a amêijoa-boa é a melhor (e a mais cara), podendo o preço variar com o tamanho (classificada em pequena, média ou grande).

2. a preparação das amêijoas. As amêijoas de viveiro estão menos sujeitas à presença de areia do que as selvagens. Para que “cuspam” a areia, as amêijoas deverão ficar mergulhadas em água do mar durante algumas horas. Mas se tiverem passado pelo estágio de quarentena sanitária já terão perdido toda a areia. Comer amêijoas com areia é das piores experiências que se pode proporcionar a alguém. A qualidade gastronómica das “amêijoas à Bulhão Pato”, homenagem ao escritor português oitocentista Raimundo António de Bulhão Pato (que escreveu a receita para o livro “O cozinheiro dos cozinheiros” em 1870), invocam o ultrarromântico satirizado por Queiroz que acreditava que “o belo não poderia existir sem o bom: nada mais diverso, e nada mais inseparável” e esta ideia diz-nos muito sobre este prato tão pouco moderno. A delicadeza e sofisticação deste prato está, sobretudo, nos tempos rigorosos de confecção. O mais difícil é conseguir a máxima redução de tempo de cozedura (o estritamente necessário para que as conchas abram) sem deixar que recozam o que lhes retiraria toda a graça, sabor e textura, reduzindo-as a chicletes do mar. Para isso deverá ser usada sertã pouco funda, com tampa, para que se possam revolver as amêijoas sem ter que abrir a tampa para as mexer.

3. a sua confecção. Há muitas variantes da receita embora, quanto a mim, a melhor forma de as cozinhar seja a mais simples.
a) Num fundo de azeite, junta-se quase uma cabeça de alhos esmagados com casca e uma folha de louro.
b) Quando o azeite estiver quente, junta-se de uma só vez as amêijoas a rugir, fechando imediatamente a sertã com a tampa. Depois de as revolver duas ou três vezes, estarão todas abertas e prontas a consumir.
c) Não se deve juntar sal ou qualquer outro tempero para além dos coentros picados que, introduzidos depois de abrirem, não deverão cozer. Outros juntarão no fim vinho branco, o que poderá ter o benefício de travar a cozedura dos bivalves.
d) As amêijoas deverão ser servidas com pão de trigo do Alentejo ou do Algarve, de preferência cozido em forno de lenha, para absorver o molho. Hoje, nos restaurantes, é comum engrossar o molho usando manteiga em vez de azeite, ou mesmo (pasme-se) margarina, o que envolverá os delicados seres numa molhanga gorda, mascarando a delicadeza do seu sabor. Por isso fica aqui o meu apelo: _ Pedro, não metas manteiga nas amêijoas…

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